O debate sobre Saúde fechou a segunda edição do Uerj com RJ – Ciência, Tecnologia e Inovação: Propostas para o Rio de Janeiro pós-pandemia, na sexta-feira, 20 de outubro, no Teatro Noel Rosa da Uerj, com transmissão pelo canal da TV Uerj no YouTube. Foram compartilhados dados, análises e reflexões sobre as aplicações da inteligência artificial na Saúde, doenças associadas ao desenvolvimento, os efeitos da identidade trans sobre o risco de sofrer violência no Rio de Janeiro e um novo método não invasivo para a detecção do câncer de próstata.

O bate-papo contou com a presença de Egberto Gaspar de Moura (Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes da Uerj), Karla Figueiredo (Instituto de Matemática e Estatística da Uerj), Maria Beatriz dos Santos Mota (startup de biotecnologia RioGen) e Ricardo de Mattos Russo Rafael (Faculdade de Enfermagem da Uerj). A condução ficou a cargo de Lúcia Dantas (Coordenadoria de Comunicação Social, Eventos e Humanização do Hospital Universitário Pedro Ernesto – Hupe).

A professora Karla Figueiredo contextualiza a inteligência artificial (IA) no mundo e no Brasil e ressalta a manifestação de líderes mundiais, desde antes da pandemia, afirmando seu valor

Lúcia iniciou a tarde ponderando que se em 2022 falava-se sobre perspectivas pós-pandemia, nesta segunda edição do Uerj com RJ a conversa é sobre o que aconteceu. “O que a gente está fazendo?”, provocou a mediadora. E os palestrantes mostraram que muito trabalho vem sendo desenvolvido.

Essa foi a deixa para a professora Karla Figueiredo, que contextualizou a inteligência artificial (IA) no mundo e no Brasil e ressaltou a manifestação de líderes mundiais, desde antes da pandemia, afirmando seu valor, além da abertura de diversos editais por agências de fomento no país. Um dos principais impactos no Rio de Janeiro foi a criação do Centro de Inteligência Artificial do Estado (CIA-Rio). Karla apresentou ainda as contribuições de Machine Learning (ML) para a área da Saúde, capaz de ajudar a resolver problemas referentes a armazenamento e organização de dados, acesso à informação, incerteza ou inexatidão nas informações e nos dados médicos, entre outros.

Ricardo de Mattos apresenta dados do estudo que desenvolve desde 2018, o Evas, sobre violências e autoavaliação de saúde de travestis e mulheres transexuais do Rio de Janeiro

Já o professor Ricardo de Mattos iniciou sua fala saudando a professora Sara York, palestrante do primeiro dia do Uerj com RJ, na mesa Educação e Ações Afirmativas, e ressaltando as perspectivas que utiliza em seu trabalho. Dentre elas, a noção de gênero. “Gênero é algo que a gente faz cotidianamente”. Ricardo apresentou dados do estudo que desenvolve desde 2018, o Evas, sobre violências e autoavaliação de saúde de travestis e mulheres transexuais do Rio de Janeiro.

O pesquisador mostrou, por exemplo, o quanto o afastamento do padrão considerado como correto e original para ser mulher ou homem pode aumentar o risco de violência coletiva, apresentando números sobre o histórico de violências sofridas por esses grupos no Estado. Dentre eles, 30% dessa população teve comportamento suicida nos últimos 12 meses, enquanto na América Latina esse percentual corresponde ao tempo de toda a vida da pessoa. “Estamos diante de uma população que não tenta suicídio, (…) é suicidada todos os dias no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil”, alertou o professor. Os números de violência contra crianças também são impactantes: 97,8% foram vítimas de negligência emocional, 99,83% negligência física, 85,2% abuso físico grave e 53,2% sobreposição de todas as formas de abuso. “Não dá para pensarmos em proteger crianças se não estivermos falando de todas as crianças, inclusive das crianças trans”. Os números de violência incluem transfobia inclusive em locais de serviços de saúde, expressa por 64% dos participantes.

Mantendo o tom de alerta, o professor Egberto Gaspar de Moura chamou a atenção para consequências do desenvolvimento que podem levar à sexta extinção do nosso planeta, como efeito das ações humanas na Terra. “Crise hídrica, poluição atmosférica e mudança do clima estão levando à extinção de espécies, destruição de habitats, acidificação do oceano, acúmulo das desigualdades, produção de lixo, hiperprodução, hiperconsumo, destruição da camada de ozônio. E tudo isso decorrente de uma coisa ‘boa’ que é o desenvolvimento”, reconheceu Egberto.

O professor falou sobre o impacto dessas ações na saúde humana, como os desreguladores endócrinos, provenientes de produtos como componentes plásticos, usados na fabricação de garrafas e copos de água, e agrotóxicos. As consequências incluem queda de fertilidade, aumento da incidência de câncer, redução da expectativa de vida em alguns países, como Estados Unidos, e estagnação em outros, como no caso do Brasil.

Egberto Gaspar chama a atenção para consequências do desenvolvimento que podem levar à sexta extinção do nosso planeta, como efeito das ações humanas na Terra

O início dos problemas, segundo Egberto, pode estar na gestação e lactação, quando nosso corpo é programado para as demais fases da vida. Por isso, fatores como estresse, desnutrição, superalimentação, contaminantes ambientais, infecções e uso de drogas durante a gravidez e a amamentação podem desencadear, na vida adulta e velhice, problemas como obesidade, doenças cardiovasculares, câncer e doenças neurodegenerativas, como maior risco de Parkinson, Alzheimer e Autismo. A boa notícia é que a solução também pode estar nas fases iniciais da existência humana. “É importante termos a amamentação durante os primeiros seis meses de vida para diminuir o risco de doenças crônicas, inclusive obesidade e diabetes”, assegurou Egberto, que destacou também a importância dos primeiros mil dias de vida, até os dois anos de idade.

As perspectivas positivas ficaram por conta de Maria Beatriz Mota, que apresentou um exame de urina para detecção precoce do câncer de próstata, ainda em fase de desenvolvimento. A pesquisadora compartilhou dados sobre a doença, o tipo mais comum de câncer entre os homens em todo o mundo, responsável por mais de 300 mil mortes em 2020. No Brasil, 30% dos diagnósticos de câncer na população masculina são de câncer de próstata, com 72 mil novos casos por ano e estimativa de aumento em 80% até 2040. O diagnóstico precoce é uma das principais ferramentas para tentar mudar essa realidade, o que atualmente é feito por meio de exames de rastreamento, incluindo o toque retal, o PSA, exames de imagem e, quando necessário, biópsias, que são invasivas e dolorosas.

Para ajudar nessa etapa, a pesquisadora e sua equipe trabalham no desenvolvimento de um exame molecular de urina para detecção do câncer de próstata. “O uso da urina tem algumas vantagens: não é invasivo ou doloroso e contém muitos biomarcadores da próstata, o que nos permite fazer um exame que seja mais específico para o câncer”, elencou a pesquisadora. O exame desenvolvido pela RioGen está em etapa de prova de conceito, feita em parceria com o Hupe, dentre outras instituições. A previsão de chegada ao mercado é 2028. “Temos uma jornada um pouquinho longa, mas, se tudo der certo, vai ser excelente para os nossos pacientes”, afirma animada a pesquisadora.

Para além do evento

As reflexões de todos os palestrantes do ciclo de debates foram apresentadas também em uma publicação, lançada no primeiro dia do evento. O livro será encaminhado gratuitamente às instituições públicas de ensino e pesquisa e está disponível para download gratuito.

Você pode assistir ao vídeo do último encontro do Uerj com RJ 2023 abaixo. Também é possível rever todos os debates navegando pelas editorias do evento ou acessando o canal da TV Uerj no YouTube.

Assista ao debate

Ou ouça a transmissão ao vivo

Fotogaleria